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PROVAS DIGITAIS EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: ENTRE A PERSPECTIVA DE GÊNERO E AS GARANTIAS PROCESSUAIS

  • Thainá Carício
  • 14 de nov.
  • 3 min de leitura
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Thainá Carício

Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pelo IDP. Advogada criminalista no escritório Callegari Advocacia Criminal.




É cada vez mais claro que a transformação tecnológica das relações humanas tem repercussões diretas sobre a epistemologia do processo penal.  Os meios digitais, como mensagens, prints e registros eletrônicos, passaram a ocupar espaço central na reconstrução dos fatos, exigindo dos tribunais novas formas de aferição de autenticidade e confiabilidade.

 

Nas situações de violência doméstica, essa virada tecnológica tem um componente humano evidente: muitas mulheres encontram nos registros digitais - que documentam ameaças, ofensas ou perseguições - não apenas um meio de prova, mas a única forma de fazer existir juridicamente a própria violência que vivenciam.

 

O AgRg no AREsp n. 2.967.267/SC, relatado pelo Ministro Messod Azulay Neto, ilustra com clareza esse cenário. O STJ manteve a condenação de um réu pelo crime de ameaça (art. 147 do CP), com base em prints de conversas de WhatsApp obtidos pela vítima, que foram confirmados em juízo e não apresentaram indícios de manipulação.

 

No caso julgado, a Corte ressaltou que a vítima confirmou em juízo as mensagens trocadas e que não havia indícios de adulteração. Essa confirmação, aliada à coerência de seu relato, conferiu solidez à condenação, em um julgamento que reflete sensibilidade institucional às especificidades da violência de gênero.

 

O STJ, alinhado à Jurisprudência em Teses n. 231, tem incorporado a perspectiva de gênero em sua análise probatória, enfatizando que os julgamentos devem considerar as dinâmicas de poder e as barreiras enfrentadas pelas mulheres ao denunciar situações de violência. A credibilidade conferida ao relato da vítima, nesse contexto, é também um instrumento de correção estrutural, destinado a romper o ciclo de invisibilidade que por décadas silenciou essas vozes.

 

O uso de provas digitais, entretanto, impõe desafios técnicos que não podem ser desconsiderados. A cadeia de custódia, prevista nos arts. 158-A a 158-F do CPP, tem como finalidade assegurar a integridade e a autenticidade dos vestígios probatórios.

 

No caso analisado, a orientação adotada pelo STJ revela um componente pragmático compreensível: pretende-se evitar que formalidades excessivamente rígidas acabem por frustrar a tutela penal em contextos marcados por urgência, desigualdade e risco concreto à integridade da vítima.

 

Ainda assim, esse movimento interpretativo não afasta a necessidade de se manter atenção contínua à solidez das provas digitais. A incorporação da perspectiva de gênero ao processo penal - indispensável para assegurar justiça material em situações de violência doméstica - pode conviver de forma equilibrada com a adoção de boas práticas probatórias.

 

Medidas como a preservação de metadados, o registro da origem dos arquivos e, quando pertinente, a utilização de perícias simplificadas, contribuem para harmonizar sensibilidade e cuidado metodológico, fortalecendo tanto a proteção da vítima quanto a segurança jurídica das decisões.

 

Mais do que afastar o rigor técnico, a sensibilidade de gênero pode impulsionar o aperfeiçoamento dos mecanismos de verificação e o aprimoramento da investigação, assegurando um processo que seja simultaneamente justo, eficiente e respeitoso dos direitos de todos os envolvidos.

 

Os Tribunais Superiores têm papel essencial na consolidação desse equilíbrio. Ao adotar a perspectiva de gênero, o STJ tem contribuído para tornar o sistema de justiça mais responsivo às experiências reais das mulheres vítimas de violência, reforçando sua credibilidade e ampliando o acesso à tutela penal efetiva.

 

Ao mesmo tempo, cabe ao próprio Tribunal definir parâmetros claros de análise das provas digitais, de modo que a confiança no relato da vítima não seja confundida com a dispensa de critérios técnicos mínimos. Essa evolução interpretativa deve ser guiada pelo princípio da proporcionalidade: nem o excesso de formalismo que inviabiliza a proteção, nem o relaxamento probatório que fragiliza o devido processo legal.


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