A ATUAÇÃO DOS COLETIVOS DE MULHERES NA AMPLIAÇÃO DOS DIREITOS E DA REPRESENTATIVIDADE FEMININA
- Gessyane Nogueira
- 12 de mai.
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Gessyane Loes de Sá Nogueira
Graduanda em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Desenvolvimento e Pesquisa IDP
O presente texto tem como objetivo analisar o crescimento dos coletivos de mulheres e sua influência na luta por direitos, com especial atenção à ocupação de espaços de poder e decisão, a exemplo dos Tribunais Superiores.
A análise será orientada pela teoria da justiça de Nancy Fraser, que propõe um modelo tridimensional de justiça fundamentado na redistribuição, reconhecimento e representação[1]. Essa abordagem permite compreender de forma mais abrangente as estratégias adotadas pelos coletivos femininos, bem como os impactos estruturais de sua atuação nos espaços institucionais e na esfera pública.
Coletivos como o "Amigas da Corte”[2], "Elas Pedem Vista"[3], "Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário"[4], "Tax & Women", "Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ – Nacional)"[5] e o "Instituto Empoderar"[6], entre outros, ilustram de maneira significativa a articulação das mulheres para a promoção da igualdade de gênero no âmbito jurídico e institucional.
Sob a perspectiva da redistribuição, conforme proposta por Nancy Fraser, destaca-se a atuação dos coletivos na aprovação da Resolução CNJ n. 525/2023, que institui ações afirmativas de gênero para o acesso de magistradas ao segundo grau de jurisdição[7]. Apesar de representar um avanço significativo para a promoção da igualdade de gênero na magistratura, o processo de aprovação enfrentou tensões no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. A proposta do ato normativo n. 0005605-48.2023.2.00.0000[8], foi submetida ao Plenário do CNJ no dia 26 de setembro de 2023, sob relatoria da Conselheira Salise Sanchotene.
Durante a tramitação, diversos coletivos se habilitaram como amicus curiae[9] e terceiros interessados[10], sendo seus pedidos de ingresso deferidos. Esse fato revelou uma mobilização inédita de coletivos de defesa dos direitos das mulheres dentro do CNJ, demonstrando a crescente organização e capacidade de incidência política desses grupos.
Nesse processo evidenciou a força do ativismo feminino na conquista de espaços de influência e na transformação do status quo institucional. A presença articulada de diversos coletivos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça não apenas reforçou a legitimidade da pauta da igualdade de gênero, como também demonstrou a capacidade de mobilização das mulheres. A atuação nesse caso representa um esforço de redistribuição de oportunidades no interior do sistema judiciário[11], desestabilizando padrões excludentes e promovendo maior equidade no acesso às posições de poder.
No campo do reconhecimento, também central à teoria de Fraser, os coletivos de mulheres têm desempenhado papel relevante ao ocupar espaços de produção de conhecimento e opinião em veículos especializados como o JOTA[12] e o próprio portal Amigas da Corte[13].
A presença de colunas fixas e artigos assinados por mulheres nesses espaços representa um importante avanço na construção de uma esfera pública mais plural e democrática[14]. Esses canais possibilitam a visibilidade da produção intelectual, científica e da opinião política de mulheres, muitas das quais historicamente foram privadas da oportunidade de se manifestar e frequentemente silenciadas nos espaços tradicionais de poder[15].
Ao ocupar esses veículos de comunicação com reflexões sobre temas jurídicos, políticos e sociais, as mulheres não apenas reafirmam sua autoridade, mas também contribuem para a reconfiguração dos discursos públicos, rompendo com padrões excludentes e promovendo uma nova narrativa de inclusão e igualdade[16]. Tal atuação reforça o caráter transformador dos coletivos, que não se limitam à atuação institucional, mas expandem seu protagonismo para o campo da formação de opinião e da produção de conhecimento crítico.
Como graduanda em Direito, compartilho, em relato pessoal, que esses espaços de expressão proporcionados por veículos de imprensa e coletivos de mulheres representam um contato, ainda que indireto, com referências femininas em diversas áreas do saber jurídico. Por meio desses espaços, é possível acompanhar a trajetória e as reflexões de advogadas, advogadas públicas, magistradas e promotoras, entre outras mulheres das carreiras jurídicas.
Nesse contexto, considerando o empenho acadêmico que dedico ao estudo da atuação de mulheres nas carreiras policiais, destaco a relevância da organização coletiva das mulheres policiais. Embora seja possível observar avanços significativos na articulação de mulheres em diversas áreas jurídicas, ainda se identifica a necessidade de fortalecimento desse movimento entre profissionais da segurança pública.
A constituição de coletivos próprios e a ampliação do diálogo interinstitucional com outras carreiras jurídicas mostram-se fundamentais para consolidar redes de apoio e atuação conjunta, capazes de enfrentar as barreiras específicas que marcam a trajetória das mulheres nas instituições policiais e contribuir, assim, para uma transformação estrutural mais abrangente e inclusiva.
Por fim, no eixo da representação, Fraser enfatiza a importância de assegurar que todos os grupos sociais tenham voz efetiva nos processos decisórios. Os coletivos de mulheres têm atuado de forma incisiva nesse campo, sobretudo ao pressionar por maior presença feminina nas cortes superiores.
Um exemplo emblemático ocorreu no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, quando 32 coletivos de mulheres manifestaram apoio público à indicação de duas mulheres para vagas abertas no Tribunal[17]. Essa mobilização explicitou a reivindicação por paridade de participação nos espaços mais elevados do sistema de justiça, desafiando a sub-representação histórica das mulheres e propondo um modelo mais inclusivo e plural de representação política e institucional.
A articulação dessas três dimensões, redistribuição, reconhecimento e representação[18], na prática dos coletivos de mulheres revela um movimento que transcende a mera conquista de direitos individuais. Trata-se de uma crítica estrutural ao desenho institucional vigente, alinhada à proposta de Nancy Fraser de uma concepção de justiça capaz de integrar múltiplas formas de desigualdade.
Assim, este artigo conclui reafirmando a relevância da organização estratégica desses coletivos como agentes de transformação estrutural, comprometidos com a construção de instituições mais democráticas, justas e representativas.
[1] FRASER, Nancy. Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação. Tradução: Ramayana Lira. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 15, n. 2, p. 291-308, 2007a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/qLvqR85s5gq56d63QhPX4VP/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 16 abr. 2025.
[2] Disponível em: https://www.amigasdacorte.com/. Acesso em: 16 abr. 2025.
[3] Disponível em: https://www.elaspedemvista.com.br/. Acesso em: 16 abr. 2025.
[4] Disponível em: http://paridadenojudiciario.com/. Acesso em: 16 abr. 2025.
[5]Disponível em: https://abmcj.ong.br/#:~:text=A%20ASSOCIA%C3%87%C3%83O%20BRASILEIRA%20DAS%20MULHERES,Mulheres%20de%20Carreira%20Jur%C3%ADdica%2C%20da. Acesso em: 16 abr. 2025.
[6] Disponível em: https://empoderarinstituto.com.br/. Acesso em: 16 abr. 2025.
[7] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5277. Acesso em: 16 abr. 2025.
[8] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pjecnj/ConsultaPublica/listView.seam. Acesso em: 16 abr. 2025.
[9] Destaca-se a importância de estudos sobre a atuação do amicus curiae no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, sobretudo em razão das dúvidas que ainda persistem quanto à natureza e aos limites de sua atuação nesse órgão
[10] Movimento Elas no Orçamento; Movimento Elas Discutem; Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário; Movimento Tributo à Elas; Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas; Coletivo por um Ministério Público Transformador; Associação Direitos Humanos em Rede; Centro de Estudos da Constituição; Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo; Associação dos Magistrados Brasileiros; Associação dos Juízes Federais do Brasil; Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho; Conselho Nacional dos Presidentes dos Tribunais de Justiça.
[11] FRASER, Nancy. Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação. Tradução: Ramayana Lira. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 15, n. 2, p. 291-308, 2007a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/qLvqR85s5gq56d63QhPX4VP/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 16 abr. 2025.
[12] A título de exemplo, cita-se a coluna Advogadas Públicas em Debate: Elas no JOTA.
[13] Disponível em: https://www.amigasdacorte.com/blog. Acesso em: 16 abr. 2025.
[14] SIEGHART, Mary Ann. A lacuna de autoridade: por que as mulheres não são levadas tão a sério quanto os homens e como mudar esse cenário. Trad.: Cristina Yamagami. São Paulo: Benvirá, 2022. 352 p
[15] BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
[16] FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
[17] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/brasilia-hoje/2025/01/grupo-de-juristas-e-sociedade-civil-cobram-de-lula-a-indicacao-de-duas-mulheres-ao-stj.shtml. Acesso em: 28 abr. 2025.
[18] FRASER, Nancy. Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação. Tradução: Ramayana Lira. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 15, n. 2, p. 291-308, 2007a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/qLvqR85s5gq56d63QhPX4VP/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 16 abr. 2025.
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