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O TOCO DE UMA VELA

  • Raquel Xavier Vieira Braga
  • 13 de nov.
  • 3 min de leitura
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Raquel Xavier Vieira Braga

Pós-doutoranda em Direito (UniCeub). Doutora (UniCeub). Mestra em Direito (UFRGS). Sócia titular da Associação Nacional dos Escritores e do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal. Advogada em Brasília.




Acordo disposta. Cumprimento porteiro, vendedoras e vendedores ambulantes, suplicantes nas sinaleiras. Uma jovem carrega seu bebê em um braço. No outro, a mão vazia em forma de concha pede piedade. Pessoas aguardam o sinal verde em seus confortáveis automóveis. Se parar um instante para observar dá para ver o celular em plena execução de seu ofício em cada um dos carros. Vidros fechados. Pessoas carregam cartazes com número pix. Rapazes recuperam, na velocidade da luz, os produtos pendurados nos retrovisores. Chego no trabalho com sorriso mais acentuado do que o habitual.


Escreverei uma carta. Melhor, farei um requerimento... já sei, uma petição! Uma petição contendo a palavra requerimento. Isso mesmo. A Constituição Federal da República Brasileira, lei suprema que preconiza o princípio supremo da democracia, assegura o direito fundamental de petição aos poderes públicos. É isso. Café primeiro. Teclado depois. Sempre.



Brasília, entardecer de 2025

Ao Senhor

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Presidência da República Federativa do Brasil

Assunto: Requerimento ao Presidente da República Federativa do Brasil

Requerente: Uma mulher que escreve por e para todas as pessoas sensíveis com a condição feminina.


Senhor Presidente,


Na qualidade de pesquisadora com estudos focados nos problemas de gênero dentro e fora dos portões da justiça, no intuito de contribuir para que a sociedade brasileira consiga alcançar, na prática, a igualdade substancial, sem discriminação pelo gênero, apresento-lhe o presente manifesto.


Permita-me o tratamento respeitoso e simples, para, com base no direito constitucional de petição, previsto no artigo 5º, XXXIV, a, da Constituição Federal, requerer seja escolhida uma jurista de notável saber jurídico e reputação ilibada para, sabatinada pelo Senado Federal, tornar-se Ministra do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a aposentadoria do Ministro Luís Roberto Barroso, apoiador do nome de uma mulher para ocupar a vaga.


Fruto da herança patriarcal, o androcentrismo instalou-se nas bases da sociedade, refletindo-se nas instituições e no próprio Direito.


Segundo o Fórum Mundial Econômico, o mundo precisa de 134 anos para eliminar as desigualdades de gênero. Os anos duplicam quando se está diante da interseccionalidade. As diferenças estão presentes em praticamente todas as associações humanas. Na família, no trabalho, nos setores público e privado.


No mercado do trabalho precisamos de aceleradores históricos de paridade de gênero para o aumento da participação das mulheres e erradicação da disparidade social entre os sexos. Organicamente, não conseguimos promover a igualdade econômica, nem possibilitar o acesso feminino aos cargos de liderança.


Os dados mostram como a misoginia é estrutural. A igualdade sem discriminação pelo gênero efetivamente experimentada ainda é uma aspiração em muitos lugares, inclusive no Brasil. O rendimento médio mensal das mulheres é 20,5% inferior ao dos homens. A representatividade feminina no poder é baixa: 17,7% do Congresso Nacional é composto por mulheres; nos tribunais elas ocupam apenas 25% dos cargos. Se se está diante da interseccionalidade os números despencam.


Não há dúvidas de que as assimetrias de gênero percorrem as estruturas jurídicas e sociais de nosso país.  O Conselho Nacional de Justiça percebe a necessidade de implementar políticas de paridade de gênero no Poder Judiciário e Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero para que o judiciário e os demais agentes que atuam no sistema de justiça deixem de reproduzir a misoginia estrutural ao desempenharem suas funções.


Apresento a presente súplica para que Vossa Excelência, neste momento oportuno, proporcione ao povo brasileiro uma Suprema Corte mais democrática, oxigenada, plural, para que a representação feminina não recaia em uma única voz.


A esperança da coletividade brasileira, não só da parte feminina como de todas as pessoas que aspiram um sistema de justiça mais justo e igualitário, está depositada em seu espírito progressista.


O Direito tanto pode ser perpetuador de subordinações quanto um instrumento de emancipação social, se comprometido com a igualdade substancial. É preciso fortalecer dentro para irradiar efeitos fora. A democracia brasileira clama para que tenhamos uma segunda presença feminina na mais alta Corte do nosso país.


Assinatura digital em substituição da saudosa tinta da pena:


Por ela e por todas.



Ao final do dia deparo-me com rumores de que o Supremo Tribunal Federal, mesmo com nomes femininos de peso dentre as opções, permanecerá com uma só voz feminina em sua composição.


O toco da nossa vela, amigas e amigos da Corte, chamusca baixo e lento no ritmo do coração cansado à espera de outra vela.









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