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STF E “PEJOTIZAÇÃO”: OS EFEITOS DO TEMA 1.389 NOS PROCESSOS TRABALHISTAS

  • Maria Gabriela Lopes
  • 4 de jun.
  • 8 min de leitura

 




















Maria Gabriela Lopes de Macedo

Mestranda em Direito Laboral (Universidade de Lisboa/PT). Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho (PUC/RS). Pós-Graduada em Direito Público (Unyleya). Graduada em Direito (UniCEUB). Advogada no escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados.


 

O tema da “pejotização”, que já há muito tempo gera controvérsias no mundo jurídico laboral, adquiriu novos contornos nos últimos meses. Em 17 de março de 2025, a Presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou a suspensão dos recursos envolvendo os Temas Repetitivos nº 29 e 30 (afetados em dezembro do ano anterior). No IRR nº 29, discute-se se, à luz dos entendimentos firmados nos Temas 725 e 739 do STF, o reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador terceirizado e a tomadora de serviços, diante da constatação de fraude no negócio jurídico. Já no IRR nº 30, o debate diz respeito à validade da contratação do trabalhador por meio de pessoa jurídica, para desempenhar função típica de empregado no âmbito da contratante (a dita “pejotização”).


Após a suspensão de vários processos e o início de um debate acerca dos efeitos da referida decisão, em 12 de abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal fixou o Tema 1.389 de Repercussão Geral, nos autos do ARE 1.532.603/PR, no seguinte sentido: “competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”. A fixação do Tema 1.389 vem em um contexto de crescimento exponencial de Reclamações Constitucionais sobre a matéria da “pejotização”, com divergências interpretativas acerca da tese vinculante firmada no Tema 725 de Repercussão Geral (sobre a licitude da terceirização da atividade-fim).


O Tema 1.389 do STF tem como intuito debater e fixar, de uma vez por todas, pontos bastante controversos sobre  matéria, quais sejam: i) a competência da Justiça do Trabalho para julgamento das causas em que se discute a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; ii) a licitude da contratação civil/comercial de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica, à luz do entendimento firmado na ADPF 324; e iii) o ônus da prova em caso de alegação de fraude na contratação civil.


Com a afetação do tema, em 14 de abril de 2025, nos termos do art. 1.035, § 5º, do CPC, o Ministro Relator Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional da tramitação de todos os processos que discutam a matéria afeta à tese de Repercussão Geral, até o julgamento definitivo do recurso extraordinário do leading case. A medida foi motivada, na própria decisão do Relator, como forma de impedir a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria, privilegiando o princípio da segurança jurídica e desafogando o STF, que teria se tornado uma “instância revisora de decisões trabalhistas”.


É verdade que a decisão de suspensão gerou um grande “alvoroço jurídico” entre associações de magistrados e instituições vinculadas à Justiça do Trabalho, que reivindicaram a competência da Especializada para a verificação de possíveis fraudes trabalhistas e destacaram os malefícios que uma decisão em sentido diverso poderia causar; mas, em termos processuais, como a suspensão nacional afeta os processos trabalhistas em curso?


De início, a decisão de suspensão nacional repercute, de modo direto, nos IRR’s nº 29 e 30 do TST, que, por possuírem o mesmo escopo do Tema 1.389 do STF, precisarão ficar suspensos até o pronunciamento da Corte Constitucional sobre a matéria; podendo, após, perder o objeto ou servir como definidor de questões acessórias à tese constitucional firmada.

No tocante aos demais casos, nota-se que a decisão do Ministro Gilmar se deu de forma ampla, sem excepcionalizar hipóteses que ficariam de fora da suspensão, sendo que, no julgamento que fixou a repercussão geral, o Relator esclareceu que


a discussão não está limitada apenas ao contrato de franquia [caso concreto]. É fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial. Isso inclui, por exemplo, contratos com representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, profissionais da área de TI, motoboys, entregadores, entre outros.


Assim, à primeira vista, a suspensão nacional atinge todos os processos que correm na Justiça do Trabalho e envolvem algum debate acerca da validade/fraude de contrato comercial de prestação de serviços, inclusive aqueles que são regidos por legislação especial[1].


Ainda, a decisão suspende os processos em todas as fases processuais, inclusive na fase executória[2] e na fase instrutória[3], já que o Tema 1.389 debate a própria competência da Justiça do Trabalho para analisar a fraude, bem como o ônus da prova relacionado, de modo que a realização de audiência de instrução antes da definição dos referidos parâmetros pela Suprema Corte pode ensejar prejuízos ao contraditório e à ampla defesa das partes.


Fica a dúvida acerca das relações comerciais que possuem tese constitucional vinculante já fixada pelo próprio STF, como no caso da ADC 48 (Transporte Autônomo de Cargas), da ADI 5.625 (contrato civil de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor) e do RE 606.003 (relação jurídica entre representante e representada comerciais). Contudo, o próprio STF já se manifestou no sentido de que mesmo as hipóteses que envolvem temas vinculantes já enfrentados pela Corte são afetadas pela suspensão nacional do Tema 1.389 do STF[4]. Acredita-se que tal fato se deve à ausência de definição, nos referidos julgados, acerca dos pontos específicos afetados no Tema 1.389, nomeadamente a competência para verificação dos requisitos da legislação comercial e o ônus da prova nos processos relacionados, o que acabava por ser resolvido por meio de Reclamações Constitucionais julgadas pelo tribunal.


Cumpre salientar que até mesmo nos casos de contratos de sociedade, que, tecnicamente, não se confundem com a “pejotização”, por exemplo nas hipóteses de sociedade de advogados, o Supremo tem optado por suspender os processos em face do Tema 1.389 de Repercussão Geral[5].


Chegou a ser cogitado que a suspensão não afetaria as ações envolvendo motoristas de aplicativos (os casos de “uberização”), tendo em vista que o Supremo já conta com uma ação, em repercussão geral, sobre motoristas e empresas de aplicativos de transporte individual, sob a relatoria do Ministro Edson Fachin[6]. Contudo, o STF já proferiu decisões no sentido de suspender também os casos de motoristas de aplicativo[7], além do fato de que o próprio contrato de franquia, leading case do ARE 1.532.603/PR, possui ação constitucional própria pendente de julgamento, a ADPF 1.149/DF, não se justificando a distinção quanto à suspensão apenas nos casos de “uberização”.


Em cerca de um mês, apenas no TST, mais de 660 decisões já suspenderam processos relacionados ao Tema 1.389 do STF, o que demonstra que a Corte Superior trabalhista vem cumprindo a determinação de suspensão nacional, bem como comprova a enorme abrangência do debate em questão, que afeta milhares de processos no âmbito da Justiça do Trabalho por todo o país.

E o que esperar da decisão a ser proferida no julgamento do Tema 1.389 do STF? As decisões publicadas por meio de Reclamações Constitucionais ao longo dos últimos anos podem nos dar um norte sobre o entendimento do STF no tema.


Sabe-se que “terceirização”, quando há a prestação de serviços a um tomador por meio de uma empresa interposta, diferencia-se da “pejotização”, quando o trabalhador autônomo presta serviços por meio de sua pessoa jurídica própria. Contudo, mesmo sendo o debate da ADPF 324, formalmente, a respeito da licitude da terceirização da atividade-fim, a tese vinculante fixada em seu julgamento, conjuntamente com aquela firmada no julgamento da ADC 48 (que trata da licitude da “pejotização” no caso específico dos Transportadores Autônomos de Carga), já vem sendo aplicada há um tempo pela Suprema Corte também aos casos gerais de “pejotização”[8] [9].


Com efeito, as Turmas do STF têm se embasado nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram liberdade para o desenvolvimento de atividades econômicas por meio de diversas estratégias empresariais, sem que se imponha a adoção de um modelo organizacional específico, para concluir em diversas oportunidades pela licitude também da “pejotização”, em especial no caso de profissionais liberais[10]. Assim, sendo evidente que o STF entende pela ampla validade da “pejotização” de serviços, inclusive no tocante à atividade-fim das empresas, a tendência é de que tal posicionamento seja mantido no julgamento do Tema 1.389. E, ante a validade dos contratos firmados, provavelmente, o ônus probatório para a sua desconstituição recairá sobre o prestador de serviços.


Já a questão da competência para julgamento das alegações de fraude em contratos de “pejotização” tem trazido bastante controvérsia no mundo jurídico laboral. Já houve pronunciamento da Corte Constitucional com relação aos casos dos TAC’s (tese vinculante firmada na ADC 48) no sentido da competência material da Justiça Civil Comum para analisar a validade dos contratos comerciais firmados e, somente se declarada a sua invalidade, é que poderia vir a Justiça do Trabalho a analisar a existência ou não de vínculo de emprego[11]. No caso dos TAC’s há a particularidade de existência de lei específica (lei n. 11.442/2007) que possui artigo próprio determinando a competência da Justiça Comum para julgar os litígios relacionados.


Em outras oportunidades o STF proferiu teses no sentido de que compete à Justiça Comum o julgamento de processos referentes a relações comerciais com legislações próprias, quando preenchidos os requisitos legais (como no caso do Tema 550 de Repercussão Geral – envolvendo representantes comerciais), mesmo que nem sempre fique claro de qual justiça seria a competência para verificar propriamente os pressupostos da lei.


Em casos em que há simples contratos de prestação de serviços, sem uma regulamentação comercial específica, não há um posicionamento uniforme do STF, sendo que, muitas vezes, as decisões trabalhistas são cassadas quanto ao tema de fundo, remetendo para a própria Especializada proferir nova decisão à luz da tese proferida na ADPF 324.


Assim, há a possibilidade de que, no julgamento do Tema 1.389, a competência seja remetida para a Justiça Comum apenas nas hipóteses em que há uma lei ou norma regulamentar específica[12]. Contudo, é possível também que o Supremo, mantendo a sua postura de defesa da liberdade econômica, venha a entender que, constatada a regularidade formal de qualquer contrato de prestação de serviços via pessoa jurídica (quanto a agente, objeto, forma e livre consentimento), a competência para verificação de eventual fraude também seja da Justiça Comum.


De todo modo, a última palavra será sempre da Corte Constitucional. A expectativa é de que, ao menos, sejam sanadas todas as dúvidas relativas ao alcance das decisões do Supremo e à competência jurisdicional para apuração de fraudes, de forma a uniformizar a questão da “pejotização” e trazer segurança jurídica a todas as partes envolvidas nesse debate de tamanha relevância constitucional.



[1] Uma possibilidade de realização de distinguish quanto à decisão de suspensão se dá com relação aos casos concretos que já obtiveram solução individualizada pelo próprio STF, por meio de reclamações constitucionais. Aqueles casos que já foram julgados pelo STF à luz da ADPF 324, com reformas ou manutenção de decisões trabalhistas, em tese, não necessitam de uniformização por meio do referido tema, que tem, basicamente, o mesmo objeto.

[2] RCL 77.079/SP, Relator: Min. Luiz Fux, Publicação: 30/4/2025.

[3] RCL 79.446/SP, Relatora: Min. Cármen Lúcia, Publicação: 19/05/2025.

[4] RCL 75.421/RS, Relator: Min. Luiz Fux, Publicação: 09/05/2025.

[5] RCL 66.816/MG, Relator: Min. André Mendonça, Publicação: 05/05/2025.

[6] RE 1.446.336/RJ. Tema 1.291 de Repercussão Geral.

[7] RCL 78.722/AM, Relator: Min. Nunes Marques, Publicação: 15/05/2025.

[8] Um caso emblemático sobre o tema é a o julgamento da RCL 47.843/BA, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes (DJE de 7/4/2022), que entendeu pela validade da contratação de médicos por meio de pessoas jurídicas.

[9] A própria ADC 48, ao declarar constitucional a hipótese dos TAC’s, faz menção a diversas profissões liberais que se viabilizam por meio de prestadores pessoas jurídicas e são perfeitamente lícitas. O Relator destaca em seu voto que “tanto a terceirização da atividade-fim, genericamente, quanto a própria chamada pejotização, no caso particular, são toleradas pela legislação brasileira”.

[10] RCL 53.899/MG, Relator: Min. Dias Toffoli, Publicação: 14/08/2023.

[11] RCL 53.558, Relator: André Mendonça, Publicação: 22/11/2022.

[12] Levando em conta, ainda, que a Emenda Constitucional n. 45 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para examinar toda e qualquer relação de trabalho (não apenas subordinado).

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