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TEMA 1232: O STF E A NOVA ROTA DA EXECUÇÃO TRABALHISTA

  • Vanessa Dumont Barroso
  • 23 de abr.
  • 6 min de leitura












Luiza Coelho Carvalho Pessine

Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho (PUC/RS). Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil (ATAME). Especialista em Direito da Medicina (Universidade de Coimbra/PT). Graduada em Direito (UniCeub). Advogada no escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados.














Vanessa Dumont Bonfim Santos Barroso

Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (ATAME). Graduada em Direito (UniCeub). Sócia no escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados.




A execução trabalhista pode ser redirecionada contra empresas que não participaram da fase de conhecimento do processo, com base apenas na alegação de grupo econômico?


A resposta para essa pergunta — que há anos atravessa os tribunais trabalhistas — está prestes a ser desenhada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1232 da repercussão geral.


O debate coloca em perspectiva não apenas a efetividade das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, mas também a observância de garantias constitucionais como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal. A depender da tese jurídica a ser fixada, o STF poderá redefinir os marcos de responsabilização solidária, reposicionar o papel do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) e impactar diretamente a atuação de empresas, trabalhadores e operadores do direito na fase executiva.


A controvérsia e a tese proposta


O recurso extraordinário em análise (RE 1.387.795), de relatoria do Ministro Dias Toffoli, discute se é constitucional incluir empresas que não integraram a fase de conhecimento no polo passivo da execução, com base apenas na configuração de grupo econômico.


Em seu voto, proferido em fevereiro de 2025, o relator propôs a seguinte tese para o Tema 1232:


1.  O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo, devendo o reclamante indicar na petição inicial as pessoas jurídicas corresponsáveis solidárias contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses de grupo econômico (art. 2°, §§ 2° e 3°, da CLT), demonstrando concretamente, nesta hipótese, a presença dos requisitos legais.


2. Admite-se, excepcionalmente, o redirecionamento da execução trabalhista ao terceiro que não participou do processo de conhecimento nas hipóteses de sucessão empresarial (art. 448-A da CLT) e abuso da personalidade jurídica (art. 50 do CC), observado o procedimento previsto no art. 855-A da CLT e nos arts. 133 a 137 do CPC.


3. Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017, ressalvada a indiscutibilidade relativa aos casos já transitados em julgado, aos créditos já satisfeitos e às execuções findas ou definitivamente arquivadas.[1]


O ponto sensível do voto do relator está na ideia de que não basta a mera configuração de grupo econômico para que uma empresa seja responsabilizada na execução, caso não tenha participado da fase de conhecimento. A responsabilização exige a observância do contraditório, seja por inclusão desde o início da ação, seja por meio do IDPJ.


Esse posicionamento se opõe à prática que se fortaleceu após o cancelamento da Súmula 205 do TST, que anteriormente impedia a execução contra quem não participou da fase cognitiva. Com a Súmula revogada, multiplicaram-se decisões que autorizavam o redirecionamento direto — prática agora posta em xeque pela tese a ser adotada pelo STF.


Até o momento, cinco ministros acompanharam a tese proposta. O julgamento está suspenso em razão do pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes, havendo divergência aberta pelo Ministro Edson Fachin, que defende a manutenção da sistemática atual adotada na Justiça do Trabalho.


O que dizem o art. 2º da CLT e o art. 50 do Código Civil?


A tese proposta pelo Ministro Relator passa por dois dispositivos centrais. O art. 2º, § 2º da CLT prevê a responsabilidade solidária entre empresas do mesmo grupo econômico, desde que atuem sob direção, controle ou administração comum, com comunhão de interesses. Não há exigência expressa de fraude ou má-fé para que se aplique essa responsabilização. Já o art. 50 do Código Civil exige a comprovação de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, como condição para desconsiderar a personalidade jurídica e atingir o patrimônio de sócios ou de terceiros.


O ponto sensível do voto do Ministro Toffoli está justamente na conclusão de que não basta a mera configuração do grupo econômico para responsabilizar uma empresa na fase de execução, caso ela não tenha participado da fase de conhecimento. É necessário que tenha havido sua prévia inclusão na ação ou, ao menos, a observância do contraditório por meio do IDPJ — assegurando-lhe o direito de defesa antes da imposição de medidas patrimoniais.


A função do IDPJ como filtro processual


O IDPJ surge, no cenário proposto pelo Ministro Dias Toffoli, como um freio de arrumação: um instrumento que poderia equilibrar o procedimento executivo com as garantias constitucionais. Sua utilização, especialmente após a dispensa de garantia do juízo para sua instauração, evita constrições patrimoniais prematuras. No entanto, mesmo com o IDPJ, persistem limitações no acesso às instâncias superiores.


Nos termos do art. 896, § 2º da CLT e da Súmula 266 do TST, das decisões proferidas em execução pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas — inclusive em incidentes como embargos de terceiro — não cabe Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal à Constituição Federal de 1988.


Assim, a parte incluída apenas na fase de execução não dispõe dos mesmos mecanismos de defesa processual que teria caso tivesse integrado a fase cognitiva. Nessa etapa anterior, poderia apresentar argumentos de fato e de direito, produzir provas, participar de audiências, acompanhar depoimentos e contestar os pedidos formulados pela parte contrária.


Dessa forma, embora represente um avanço importante, o IDPJ não soluciona integralmente os entraves ao exercício da ampla defesa, especialmente quando estão em discussão matérias infraconstitucionais, como a adequada interpretação do conceito de grupo econômico à luz do art. 2º da CLT.


Os desdobramentos práticos do julgamento


Caso prevaleça a tese proposta pelo Ministro Toffoli, o cenário prático se reorganizará de forma significativa. As empresas tendem a contar com maior previsibilidade, segurança jurídica e proteção patrimonial, evitando bloqueios inesperados em razão de execuções às quais sequer foram chamadas originalmente a integrar. Já os trabalhadores e seus advogados precisarão ajustar sua estratégia processual, passando a demonstrar com mais robustez a existência do grupo econômico ainda na fase de conhecimento, sob pena de enfrentarem obstáculos relevantes na execução — especialmente quando a devedora principal for insolvente.


Além disso, a instauração do IDPJ deverá se tornar etapa frequente e central no trâmite das execuções trabalhistas que envolvam responsabilidade solidária, exigindo dos Tribunais rigor na análise dos elementos de prova e das garantias processuais das partes envolvidas.


Entre efetividade e garantias: a importância do equilíbrio


O julgamento do Tema 1232 coloca em evidência a complexidade do processo do trabalho contemporâneo, marcado pela multiplicidade de partes, estruturas empresariais flexíveis e pela constante tensão entre celeridade e efetividade da execução em respeito aos direitos fundamentais processuais.


A depender do posicionamento final do STF, o novo paradigma poderá exigir uma releitura da jurisprudência trabalhista até então predominante, com foco no fortalecimento do contraditório, da segurança jurídica e da integridade procedimental. Ainda assim, o desafio será não perder de vista a função protetiva da Justiça do Trabalho, cuja razão de existir está na concretização dos direitos sociais fundamentais.


O Tema 1232 coloca à prova a capacidade do sistema jurídico de construir soluções que equilibrem proteção e previsibilidade, celeridade e legitimidade, na busca pela consolidação de um processo que, sendo célere e efetivo, também seja justo e constitucionalmente orientado.


O julgamento ainda não terminou, e seus desdobramentos seguirão sendo acompanhados com atenção por toda a comunidade jurídica. Seja qual for a tese vencedora, o debate já cumpre um papel essencial: o de lançar luz sobre a necessidade de se pensar a execução trabalhista como um espaço de garantias mútuas, onde todos — trabalhador, empresa e Estado — atuem sob o mesmo princípio: o da justiça.


Mais do que uma decisão pontual, o julgamento do Tema 1232 representa uma oportunidade para o Supremo Tribunal Federal redesenhar os contornos da execução trabalhista à luz da Constituição. Trata-se de harmonizar interesses legítimos: a necessidade de efetividade na cobrança dos créditos trabalhistas e a imprescindibilidade de respeito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.

A nova rota da execução trabalhista está sendo traçada e, em tempos de redefinição jurisprudencial, seus rumos dependerão da capacidade do sistema jurídico de harmonizar eficiência com o respeito às garantias fundamentais.



[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 1387795. Rep. Geral. TEMA 1232. Disponível em  https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6422105 Acesso em 15/4/2025.

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