O IDPJ COMO BARREIRA ENTRE O DIREITO MATERIAL E O RITO PROCESSUAL NA TENTATIVA DE PENHORA DE EMPRESA DO MESMO GRUPO ECONÔMICO
- Larissa Patrício de Sá
- 9 de dez.
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Larissa Patrício de Sá
Especialista em Processo Civil pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Graduada em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Integrou a Comissão de Processo Civil da OAB/DF no triênio 2016-2018. É advogada desde 2014, com experiência em contencioso judicial, gestão e organização de escritórios. Atualmente, é advogada Sênior da equipe de causas sensíveis no Ávila de Bessa Advocacia, além de prestar assessoria de gestão, organização e ferramentas jurídicas a escritórios.
Não é de hoje que a expressão “ganhou, mas não levou” tornou-se lugar comum no meio jurídico brasileiro. É inegável que a legislação em vigor favorece os devedores. Porém, a constatação assume uma faceta particularmente premente a partir da decisão do Superior Tribunal de Justiça de admitir a possibilidade de fixação de honorários de sucumbência caso haja rejeição do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Ficam assim inibidas as chances de recebimento do credor na mesma medida em que se elevam os riscos e o ônus financeiro na busca por seus próprios direitos.
A Corte Especial entendeu que haveria, in casu, uma pretensão resistida, o que justificaria o arbitramento da verba honorária. Não se discute a necessária remuneração advocatícia; mas cabe instituir o debate sobre o surgimento de mais uma barreira financeira e processual entre o credor e o resultado prático do seu direito.
No direito empresarial, o IDPJ desempenha um papel imprescindível na tentativa de imputar a necessária responsabilidade civil a devedores. Na prática, contudo, a formalidade jurídica introduz barreiras significativas em razão da forma processual, em detrimento ao direito material.
Muito já foi dito acerca da confusão patrimonial entre os bens e recursos da pessoa jurídica e os dos sócios, considerados em sua condição de pessoa física. Ao mesmo tempo, temos testemunhado um incremento da mescla patrimonial entre empresas geridas pelos mesmos sócios, para exercício da mesma atividade empresarial, ainda que inscritas em CNPJ distintos. Há inumeras empresas de um mesmo grupo econômico e que possuem patrimônio pulverizado em um conglomerado de registros independentes na forma jurídica, embora materialmente atrelado a um cerne comum.
Nesse sentido, é muito comum que CNPJs sejam criados para diferenciar projetos de uma só construtora, por exemplo, ou para desmembrar áreas de uma mesma instituição bancária, a exemplo de contratos, empréstimos, financiamentos etc. O que naturalmente induz a questão: como fica o credor ao se ver impossibilitado de receber do CNPJ que lhe deve?
A parte se vê credora de uma empresa em funcionamento, que fecha contratos diariamente, em pleno exercício empresarial, mas a cada busca de bens realizada no cumprimento de sentença surge uma nova frustração. Nada é localizado em conta bancária, tampouco imóveis ou veículos, e nem mesmo se pode comprovar o faturamento. A dificuldade de dirimir essas questões só aumenta quando entra em cena a tarefa de aquilatar a responsabilidade daquele conglomerado econômico, que é notoriamente administrado pelo mesmo sócio, muito embora não haja uma subordinação entre as empresas. É, sem sombra de dúvida, uma situação teratológica.
Nessas hipóteses, o primeiro procedimento costumeiramente adotado é o de alcançar o patrimônio pessoal do empresário, por meio da desconsideração da personalidade jurídica[1], tentativa malograda porque os devedores não possuem nada em seus nomes no intuito de fugir dos débitos por meio de fraude. É nesse momento que o credor questiona o recebimento do seu crédito na empresa registrada em nome daquele sócio, ainda que o negócio tenha sido firmado por meio de um CNPJ distinto.
E, como dito, ainda que se trate de empresas notoriamente do mesmo grupo econômico, sendo comum uma receber todas as receitas enquanto a outra apenas emite despesas, o Superior Tribunal de Justiça, a julgar o Recurso especial nº 1864620 - SP, entendeu que não bastava a inclusão da empresa no polo passivo do cumprimento de sentença, uma vez que, sem integrar a fase de conhecimento, a execução não poderia recair em terceiro alheio ao título executivo, sendo imprescindível a instauração do IDPJ.
Isso acarreta forte impacto para os credores que receiam pela negativa e se encontram em conflito entre o seu direito material e a observância da norma processual. Com efeito, correm o risco de não conseguir comprovar a relação patrimonial entre as empresas e se deparar com uma nova despesa, a de honorários na negativa do IDPJ, enquanto o recebimento do seu crédito é mais uma vez postergado. Além de não receber, portanto, o devedor desembolsa custas judiciais para pesquisar nas ferramentas disponibilizadas pelo poder judiciário, com certidões cartorárias e, agora, com honorários de sucumbência.
Até que ponto a observância da norma surge não como reguladora, mas como uma barreira ao jurisdicionado? Se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é de natureza instrumental, cabendo, no curso do processo originário, a sua instauração para fins de comprovar a confusão patrimonial, o deferimento ou indeferimento não estaria atrelado ao próprio processo principal, porquanto é unicamente um instrumento de prosseguimento daquele?
Afinal, se o IDPJ é um instrumento essencial a coibir fraudes contra credores e empresários que se utilizam da pessoa jurídica para diluir patrimônio, solicitar falência em CNPJ recheados de despesas a serem pagas enquanto funcionam em CNPJs limpos, impor uma barreira financeira exerce o efeito de mitigar a natureza instrumental do instituto.
Seria de se perguntar se o IDPJ não funcionaria de fato como um instrumento acessório e que permite o prosseguimento da execução, uma vez que, à luz de sua característica de ação autônoma, a sua finalidade não subsiste a não ser o de permitir alcançar os bens do sócio – o que, na prática, é o próprio fim da execução.
Existem verdadeiras estruturas empresariais formadas de modo artificial, para fraudar credores, recolhimentos de impostos, possibilitar pedido de recuperação judicial e falência, o que dificulta a identificação do patrimônio individual de cada uma e se torna um cenário perfeito para o abuso da atividade empresarial.
Assim, enquanto o credor, muitas vezes em situação de inferioridade financeira, precisa lutar contra a dificuldade de produzir prova sob pena de ser duplamente penalizado, as estruturas empresariais fraudulentas, cuja operação é formada artificialmente, passam a contar com uma camada de proteção extra, o que desestimula o credor a instaurar o incidente que poderia ser a medida processual apta ao resultado esperado.
O devedor inadimplente recebe da jurisprudência mais uma vantagem pela prática indevida, ao passo que o credor se vê diante de novo obstáculo processual e financeiro.
Certo é que a cautela deve prevalecer em eventual rejeição do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, ainda mais nas hipóteses em que o conjunto probatório for considerado insuficiente para provar o vínculo necessário à responsabilidade patrimonial do grupo, para que o IDPJ não perca a natureza instrumental e se torne apenas um obstáculo ao credor e um incentivo à inadimplência.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Forense. 1989. Apud LORENZETTI, 2003.
PARENTONI, Leonardo. O Incidente da Desconsideração da Personalidade Jurídica no CPC/2015. Porto Alegre: Editora Fi, 2018.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1, 8ª ed. Rev. E atual. – São Paulo: Atlas, 2017.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 1, parte geral. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
FILHO, Calixto, Salomão. O novo direito societário. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, parte geral e Processo de Conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2017.
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/24042025-Corte-Especial-admite-fixacao-de-honorarios-em-rejeicao-de-pedido-de desconsideracao-de-personalidade-juridica-.aspx.
[1] Diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Forense. 1989. Apud LORENZETTI, 2003, p. 170.


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