A INTELIGÊNCIA DO ART. 272, §5º, DO CPC À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ
- Tatiana Lahóz
- 24 de jun.
- 6 min de leitura

Tatiana de Azevedo Lahóz
LLM em processo e recursos nos Tribunais Superiores (IDP). Pós-Graduação em Direito Processual Civil (Instituto Romeu Felipe Bacellar). Secretária-Adjunta da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC). Advogada. Coordenadora do Núcleo de Tribunais Superiores (NTS) do escritório Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados.
Descumprimento de intimação em nome de advogado pode gerar nulidade processual, alerta o CPC/15.
Segundo a disciplina do artigo 272, §5º, quando houver pedido expresso no processo para que as publicações sejam realizadas em nome de determinado(s) advogado(s), o não cumprimento por parte do tribunal implicará nulidade[i].
Nesse sentido, ao dirimir controvérsia entre o posicionamento das Turmas de Direito Privado (Terceira e Quarta), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EAREsp 1.306.464/SP[ii], aparentemente, encerrou a questão, definindo que a intimação será considerada inválida quando houver a indicação expressa dos advogados que devem ser notificados.
Na ação de origem desse paradigma, havia pedido para que as publicações fossem realizadas, exclusivamente, em nome de três novos advogados constituídos nos autos, o que, porém, não foi observado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Isso acarretou, no que defendeu a parte, em grave nulidade, haja vista que a intimação do acórdão de apelação foi realizada em nome de apenas dois advogados, esquecendo-se de um terceiro, principal responsável pela condução da lide.
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo inexistiria nulidade, pois não demonstrado o prejuízo da parte, eis que dos três advogados, dois teriam sido cientificados do acórdão.
Quando os autos chegaram no Superior Tribunal de Justiça, a Quarta Turma manteve o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, o que ensejou a interposição de embargos de divergência pela parte prejudicada, haja vista que tal posicionamento estaria dissonante daquele adotado pela Terceira Turma (AgInt no REsp 1757948/DF), principalmente no que se refere à nova legislação em vigor – art. 272, §5º, do CPC/15.
Foi, então, como mencionado acima, que a Segunda Seção pacificou a divergência entre as Turmas de Direito Privado. E, a partir de leitura atenta do acórdão extrai-se que o termo “exclusivamente” foi utilizado como uma forma de se referir ao pedido formulado nos autos. Essa menção, porém, suscita um ponto relevante de debate: trata-se de uma simples referência à redação do caso concreto ou de um requisito indispensável à configuração da nulidade processual?
Com efeito, a prática do Tribunal revela que dúvidas cruciais vêm sendo objeto de amplo de debate, principalmente quanto à eventual imprescindibilidade da utilização da palavra “exclusivamente” nos pedidos de publicações em nome de mais de um advogado.
Ao pesquisar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, observou-se que, se não houver a menção ao termo “exclusivamente”, não obstante o pedido expresso de publicação em nome de mais de um advogado, a nulidade não é reconhecida[iii].
Nesse brevíssimo estudo, observou-se uma tendência jurisprudencial que distorce a letra da lei, notadamente quanto à disciplina do §5º, criando-se um formalismo desnecessário e distante de um processo que obedeça ao devido processo legal.
Da doutrina, há relevantes opiniões sobre o real significado do Princípio do Devido Processo Legal. Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini (2025, p. 70) já tiveram oportunidade de expor que a garantia constitucional se divide em três acepções. Em primeiro lugar, estará a previsão em lei dos procedimentos e consequências do processo; em segundo lugar, os valores constitucionais deverão ser observados pelo Poder Judiciário; por fim, e, em terceiro lugar:
Não são admitidas soluções caprichosas, desarrazoadas, ainda que aparentemente amparadas em texto legal. Devem sempre ser ponderados os valores constitucionais envolvidos, de modo a se adotar a solução que se revele a mais consentânea possível com a ordem constitucional[iv].
Em outras palavras e de modo mais direto, não há no texto da lei (§5º) qualquer menção à necessidade da palavra “exclusivamente”, veja-se: “Constando dos autos pedido expresso para que as comunicações dos atos processuais sejam feitas em nome dos advogados indicados, o seu desatendimento implicará nulidade”. O que o legislador exige é que exista pedido expresso e nada mais[v].
Observe-se dois exemplos de pedidos de intimações para que a questão fique ainda mais clara:
Pedido A: “Requer-se que as intimações sejam realizadas, exclusivamente e sob pena de nulidade, em nome dos advogados Caio e Tácio”.
Pedido B: “Requer-se que as intimações sejam realizadas, expressamente e sob pena de nulidade, em nome dos advogados Caio e Tácio”.
Qual a diferença prática entre os pedidos?
Para a jurisprudência preponderante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o Pedido B, acaso não observado, não leva à nulidade da publicação, ainda que o erro na intimação acarrete prejuízos à parte, como a preclusão do direito de recorrer.
Como exemplo, há em andamento julgamento de agravo interno perante a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça[vi] em que se discute exatamente essa linha de raciocínio. Inicialmente, o agravo em recurso especial foi desprovido, monocraticamente, porque ausente a palavra “exclusivamente”, muito embora a parte tivesse feito o pedido expresso e utilizado a conjunção “e”, ou seja, para que os dois advogados mencionados no pedido fossem intimados.
E, precisamente a respeito da utilização da conjunção “e”, foi que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de que essa consiste na verdadeira leitura do §5º e do paradigma que se firmou no âmbito da Segunda Seção (EAREsp 1.306.464/SP). Isso, porque ao colocar o termo “e” a parte demonstra que as publicações sejam feitas em nome dos advogados indicados[vii].
Esse último julgado parecer ser o que mais se aproxima do sentido da norma e do objetivo do Legislador de 2015, quando incluiu o art. 272 e, consequentemente, o §5º, até então inexistentes no Código de Processo Civil de 1973. E é nesse ponto que se revela a incoerência ainda presente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: apesar do julgamento do EAREsp 1.306.464/SP, pela Segunda Seção, que buscou pacificar a controvérsia, a exigência da palavra “exclusivamente” trouxe um novo critério formal para o reconhecimento da nulidade, mesmo diante de pedidos expressos e com indicação clara de que as publicações ocorram em nome de mais de um advogado.
Trata-se de formalismo que desafia não apenas o texto legal, mas também os princípios que regem o processo civil contemporâneo — especialmente o devido processo legal em sua dimensão substancial. A permanência dessa interpretação restritiva demonstra que, embora exista precedente da Segunda Seção, a discussão está longe de encerrar. Pelo contrário, o tema continua latente e exige uma leitura mais coerente com os valores constitucionais e com o modelo de processo justo e equilibrado que o CPC/15 pretendeu consolidar.
[i] § 5º Constando dos autos pedido expresso para que as comunicações dos atos processuais sejam feitas em nome dos advogados indicados, o seu desatendimento implicará nulidade.
[ii] Superior Tribunal de Justiça, EAREsp nº 1.306.464-SP, rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, j. em 25 de novembro de 2020, DJE 09 de março de 2021.
[iii] AgRg no HC n. 668.549/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/5/2025, DJEN de 12/5/2025; AgInt no AREsp n. 2.212.733/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 2/5/2023, DJe de 16/10/2023; AgInt nos EDcl no REsp n. 1.685.309/MT, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 5/2/2019, DJe de 13/2/2019;
[iv] WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil – 22ª Edição. Vol.1 – Teoria Geral do Processo. Londrina, Thoth, 2025. P. 70.
[v] Nesse sentido, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery explicam: “A nulidade da comunicação de atos processuais que não é feita aos advogados indicados é, sem dúvida, nula. Se a intenção da intimação é justamente comunicar, se não alcançar o objeto do ato de comunicação não se pode dizer que existiu. Ressalvam-se, todavia, as hipóteses nas quais a falha não causou prejuízo em vista de o advogado não intimado ter tomado ciência da decisão de outro modo”. NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY Jr. Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2025. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/113133203/v23/page/RL-1.52%20
[vi] STJ - AREsp 2554907/PR, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, DJE 17/06/2024
[vii] Há duas questões em discussão: (i) definir se o pedido expresso de intimação em nome de dois advogados exige que ambas as intimações sejam realizadas, sob pena de nulidade; (ii) verificar se a intimação feita exclusivamente em nome de um advogado, em desrespeito ao pedido expresso, gera prejuízo ao acusado. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O § 5º do art. 272 do Código de Processo Civil - CPC/2015 determina que, havendo requerimento expresso para que as intimações sejam realizadas em nome de advogados específicos, o ato processual deve respeitar essa solicitação, sob pena de nulidade. 4. A utilização do termo "e" ao indicar os advogados para intimação demonstra a intenção de que ambos sejam intimados, não sendo suficiente a intimação de apenas um deles. 5. A não observância do requerimento expresso acarreta prejuízo à defesa, pois impede a plena atuação dos advogados escolhidos pela parte, em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. No caso, o prejuízo foi concretizado pela perda do prazo recursal. (...) 7. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ reconhece a nulidade de intimação quando não observada a solicitação expressa de intimação em nome de todos os advogados indicados, conforme precedente da Segunda Seção (EAREsp n. 1.306.464/SP). IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Agravo regimental provido. Tese de julgamento: 1. A intimação deve ser realizada em nome de todos os advogados indicados pela parte, conforme requerimento expresso, sob pena de nulidade processual (AgRg no HC n. 880.361/BA, relator Ministro Ribeiro Dantas, relator para acórdão Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 17/9/2024)