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QUAL É O LIMITE DA JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA NO ÂMBITO DO STJ?

  • Laís de Oliveira
  • 29 de abr.
  • 5 min de leitura
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Laís de Oliveira e Silva.

Mestranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Pós-Graduação em Direito Processual Civil (IDP). Integrante da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC). Advogada. Associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.




No momento da elaboração do título deste artigo, pensei em diversas respostas possíveis, sob diferentes óticas, para a pergunta proposta. No entanto, neste texto, a resposta será apenas uma: a lei. Pode parecer simples, mas não é. Explico.

 

A jurisprudência defensiva tradicional, em especial no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é velha conhecida dos jurisdicionados cujos recursos são analisados pela Corte Superior. É o que se verifica, por exemplo, com a aplicação da Súmula nº 7/STJ, que inviabiliza a análise do mérito recursal sob o fundamento de que demandaria reexame de fatos e provas[1]; com a incidência da Súmula nº 284/STF, por analogia, para não conhecer o recurso especial quando o recorrente deixa de indicar, de forma explícita, o permissivo constitucional em que lastreada a impugnação[2], ou deixar de indicar expressamente os artigos de lei violados[3]; ou, ainda, o não conhecimento do recurso por divergência quando é transcrita apenas a ementa da decisão paradigma[4].

 

Esses exemplos ilustram a prática de autodefesa do Tribunal: um apego excessivo à forma e uma rigidez desproporcional quanto aos pressupostos de admissibilidade recursal, como resposta à sobrecarga de recursos e à pressão do Conselho Nacional de Justiça para o cumprimento de metas.

 

Não se pode negar que a quantidade de processos do judiciário é um problema no nosso país[5]. O excesso de judicialização no Brasil é uma questão cultural e estrutural que, como todos os problemas complexos, possui origem multifatorial e soluções diversas. Não obstante, a sobrecarga de processos não pode ser um subterfúgio para inaplicabilidade da disposição legal.

 

Não se defende, aqui, a inexistência de barreiras à admissibilidade recursal. A realidade dos grandes acervos processuais do STJ não permite sonhar com a análise de mérito de todos os recursos interpostos. No entanto, há um limite — e esse limite é a própria previsão legal, que não pode ser ignorada, sob pena de completo esvaziamento da separação dos poderes, da segurança jurídica e do princípio constitucional da legalidade.

 

No âmbito do Agravo em Recurso Especial nº 2.506.209/SP, afetado à Corte Especial do STJ pela 3ª Turma, discute-se um entendimento que vem sendo reiteradamente aplicado pela Corte e que representa um exemplo claro de violação à norma legal. Trata-se da aplicação da Súmula nº 115 do STJ, formulada ainda sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, segundo a qual “na instância especial, é inexistente o recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”.

 

Ou seja, à luz desse enunciado, não se permitia a regularização da representação processual na instância superior. Contudo, considera-se que esse entendimento não mais se sustenta com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, cujo artigo 932, parágrafo único, dispõe expressamente que “antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”. Tal diretriz é reforçada pelos artigos 938, §§ 1º e 2º, e 76 do mesmo diploma legal, os quais reafirmam o dever de oportunizar a regularização à parte.

 

Na verdade, diante das novas disposições legais, manifestamente incompatíveis com o entendimento consolidado na Súmula nº 115 do STJ, é possível sustentar que tal enunciado foi superado. Nesse sentido, destaca-se o Enunciado nº 83 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, segundo o qual “fica superado o enunciado 115 da Súmula do STJ após a entrada em vigor do CPC”.

 

A norma processual é cristalina. Constatado o vício (de representação processual), será concedido prazo para que a parte possa saná-lo. Apesar disso, o STJ vem se negando a aplicar a disposição legal. E, além de não aplicá-la, criou-se uma situação paradigmática.

 

Quando constatada a falta de procuração nos autos ao advogado subscritor do recurso, o Tribunal segue com a intimação do advogado para proceder com a regularização, pois é o que manda o Código de Processo Civil de 2015. O advogado, em cumprimento, procede com a juntada de procuração, ratificando expressamente todos os atos anteriormente praticados, nos termos do artigo 662 do Código Civil. O STJ, mesmo após a devida regularização, não conhece do recurso, pois entende que “o instrumento de procuração e/ou substabelecimento juntado com data posterior à data do protocolo do recurso não supre o vício relacionado à ausência de poderes[6].

 

Vejam que situação incongruente: a lei permite que o advogado sane o vício de representação, enquanto o STJ admite apenas a juntada de documento pré-existente que, por alguma razão, não foi anexado aos autos. No entanto, a apresentação de um substabelecimento ou de uma procuração que já existia antes da interposição do recurso não configura o saneamento de vício de representação, mas sim de vício de juntada de documento. Isso porque, se a procuração anterior já existia, a representação também estava constituída — apenas não havia sido comprovada nos autos.

 

Contudo, quando se ordena a regularização da representação, não se está tratando apenas da juntada de documento. O sentido de regularização da representação abrange, necessariamente, a possibilidade de se formalizarem poderes que ainda não haviam sido constituídos. É disso que se trata a regularização da representação.

 

Se não fosse esse o sentido dos artigos 76 e 932 do CPC, tais dispositivos não possibilitariam a efetiva regularização da representação processual, como prevê a norma, mas apenas autorizariam a juntada de procuração anteriormente existente.

 

Além disso, o próprio artigo  662 do Código Civil autoriza, expressamente, a ratificação expressa dos poderes praticados ao determinar que “Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar.”.

 

São inúmeros os casos em que vem sendo aplicado o enunciado da Súmula nº 115/STJ nos moldes descritos acima. Mas, diante da afetação da matéria à Corte Especial, há agora a possibilidade concreta de o Tribunal rever seu posicionamento.

 

Chegamos, assim, ao limite da jurisprudência defensiva. A comunidade jurídica — especialmente os advogados que atuam nos Tribunais Superiores — já se habituou às barreiras formais impostas ao processamento recursal, aceitando, em certa medida, essa realidade posta. No entanto, quando os óbices recursais passam a extrapolar os limites do que dispõe a legislação, estamos diante de verdadeiro descumprimento da norma, o que não pode ser admitido.



[1] AgInt no AREsp n. 2.723.488/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 7/4/2025, DJe de 11/4/2025.

[2] AgInt no AREsp n. 1.824.850/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 21/6/2021.

[3] AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.117.115/MG, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 12/12/2022, DJe de 15/12/2022.

[4] AgInt no REsp n. 1.466.295/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 26/8/2022.

[5] De acordo com o relatório Justiça em números de 2024, houve um aumento de 9,5% em novos processos. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-em-numeros-2024-barroso-destaca-aumento-de-95-em-novos-processos/. Acesso em: 17 abr. 2025.

[6] AgInt no REsp n. 2.072.375/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 31/3/2025, DJEN de 4/4/2025.




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