SUBMISSÃO DA SEGURADORA SUB-ROGADA À CLÁUSULA DE ARBITRAGEM PACTUADA PELO SEGURADO EM CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO
- Mariana Dantas
- 19 de mai.
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Mariana Dantas de Medeiros
Pós-Graduação Lato Sensu em "Processo nas Cortes Superiores" pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Membro da Comissão de Direito Portuário e Marítimo da OAB/DF e da Comissão de Advocacia nos Tribunais Superiores da OAB/DF. Advogada Sênior do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados e coordenadora da equipe de contencioso de Brasília, com foco em Tribunais Superiores.
No comércio internacional e, principalmente, nos contratos de transporte marítimo é de praxe a inclusão de cláusula compromissória arbitral, justamente por se tratar de contratos internacionais, que são usualmente celebrados por players do setor, ou seja, empresas habituadas com a prática do comércio exterior e capazes de negociar livremente os seus contratos com paridade de armas.
Significa dizer que os contratantes são livres para eleger o foro e/ou juízo competente para dirimir eventuais conflitos advindos da relação contratual de transporte marítimo. Tais direitos operam na esfera da autonomia da vontade das partes, pelo que, no comércio marítimo internacional, é corrente a prática de submeter os litígios relacionados ao transporte marítimo ao juízo arbitral.
O que se vê, contudo, é que a validade da cláusula compromissória vem sendo constantemente questionada perante o Poder Judiciário pelas seguradoras contratadas para cobrir os riscos do transporte marítimo internacional, sob o argumento de que não são oponíveis em ação regressiva de ressarcimento fundada na sub-rogação da seguradora.
Tratando-se de seguro garantia, a transferência dos direitos, pela sub-rogação, deve obedecer aos limites do contrato originário, incluindo-se, portanto, a cláusula compromissória, de modo que a seguradora sub-rogada recebe o direito como ele se apresenta, com todas as suas garantias e limitações, as quais não podem ser ampliadas ou reduzidas, conforme preconizam os artigos 349 e 786 do Código Civil.
Em outras palavras, é dizer que, ao efetuar o pagamento da indenização securitária, a seguradora sub-roga-se exatamente nas mesmas prerrogativas do titular originário do direito, sejam elas protetivas ou não. Caso contrário, o ordenamento estaria conferindo à seguradora sub-rogada mais direitos do que aqueles antes garantidos aos seus segurados.
A sub-rogação não altera, portanto, as características da obrigação original, a qual é transmitida ao terceiro – mediante pagamento – com a manutenção de todas as suas peculiaridades e seus acessórios. Nesse contexto, a seguradora substitui o segurado na relação contratual celebrada com a transportadora marítima para reclamar por danos e avarias na carga, nas exatas mesmas condições que a credora originária, operando-se, portanto, a transmissão da cláusula compromissória, pela sub-rogação.
Depreende-se que, ao firmar o contrato de seguro, a seguradora toma conhecimento das regras gerais da contratação do transporte marítimo internacional objeto da apólice securitária, oportunidade em que certamente pondera (ou deveria ponderar) os riscos da avença originária, até mesmo para a adequada precificação do prêmio e da indenização.
Portanto, não há como se afastar a ciência prévia da seguradora quanto à existência de cláusula de arbitragem no contrato de transporte marítimo de cargas, devendo o contrato de seguro ser interpretado de forma conjunta com o contrato objeto da apólice.
Desta forma, nos termos do artigo 757 do Código Civil, a cláusula arbitral faz parte do risco calculado e assumido pela seguradora e, portanto, a busca do seu direito de regresso deve ser feita conforme as condições pactuadas pelo seu segurado.
Nesse mesmo sentido se firmou o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, segundo o qual “a ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral avençada no contrato principal objeto do seguro garantia dá ensejo à sua submissão à jurisdição arbitral, já que integra a unidade do risco objeto da própria apólice securitária quando da avaliação do risco pelo próprio ente segurador”[1].
A seguradora não pode se furtar às cláusulas que foram estabelecidas pelo próprio segurado no âmbito do contrato de transporte. Nesse sentido, é fundamental reconhecer que o contrato faz lei entre as partes, devendo ser respeitado em sua integralidade.
Ao fim e ao cabo, permitir o afastamento da cláusula arbitral e ignorar que a seguradora detém pleno conhecimento das condições pactuadas pelo seu segurado significa submeter as partes do contrato de transporte marítimo ao poder de escolha da seguradora quanto à jurisdição aplicável à avença – o que é inadmissível.
Portanto, não cabe ao Poder Judiciário desconsiderar ou desvirtuar os termos de um contrato válido e afastar a competência do juízo arbitral, sob pena de afronta à autonomia da vontade e ao princípio pacta sunt servanda, que assegura a vinculação das partes aos compromissos livremente assumidos.
Consagrando o entendimento exposto, verifica-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que a seguradora sub-rogada deve se submeter à cláusula compromissória prevista no Contrato de Transporte Marítimo firmado pelo segurado, de modo que prevalece, nesses casos, a competência do Juízo arbitral para o exame e o julgamento da demanda regressiva[2].
Não há dúvidas, portanto, acerca da validade e eficácia da cláusula compromissória em relação à seguradora, na medida em que o prévio conhecimento do risco assumido pelo segurado no contrato de transporte marítimo resulta na sua submissão à jurisdição arbitral.
[1] AgInt no REsp n. 1.843.232/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/12/2024, DJEN de 20/12/2024.
[2] REsp n. 1.988.894/SP, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023
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