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LITIGÂNCIA CLIMÁTICA E TRIBUTAÇÃO SOBRE AS RECEITAS DA COMERCIALIZAÇÃO DE CRÉDITOS DE DESCARBONIZAÇÃO: ASPECTOS JURÍDICOS E DESAFIOS INTERPRETATIVOS NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

  • Vanessa Rayelli Moura Costa
  • 6 de nov.
  • 6 min de leitura




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Vanessa Rayelli Moura Costa

Bacharel em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Pós-Graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Advogada na Alvarenga Sociedade de Advogados.




O Brasil se torna, no mês de novembro, o epicentro das discussões globais voltadas ao clima ao sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), momento em que as atenções dos países tendem a refletir sobre as metas de descarbonização e os desafios para implementar as políticas ambientais frente às mudanças climáticas.

 

É bem verdade que, em decorrência da crescente demanda por soluções sustentáveis, as empresas brasileiras têm inovado e investido em tecnologias. Todavia, mesmo diante do avanço, o Brasil vive um cenário de intensificação da litigância climática e tributária, em especial para o setor sucroenergético, no que se refere à incerteza normativa da tributação das receitas oriundas da comercialização de créditos de descarbonização (CBIOs).

 

Com o advento da Lei nº 13.576/2017[1], o Brasil instituiu os CBIOs, título verde criado pela política do RenovaBio e que pode ser emitido por produtores e importadores de biocombustíveis, sendo o seu licenciamento e comercialização operacionalizados por meio de instituições financeiras e mercado de capitais.

 

Seu funcionamento baseia-se no método de que, a cada tonelada de CO₂ que deixa de ser emitida na atmosfera, o produtor ou importador de biocombustível adquire o direito de ganhar um crédito de carbono. Após o procedimento de escrituração, esses créditos de carbono adquiridos podem ser negociados na bolsa de valores, no mercado de capitais ou até mesmo utilizados como instrumento de troca por insumos relacionados à atividade comercial da empresa de biocombustíveis.

 

O imbróglio da questão jurídica referente aos CBIOs está diretamente ligado à legislação, que não aborda a sua natureza jurídica e os seus aspectos para fins tributários, o que torna as negociações inseguras quanto aos reflexos tributários decorrentes da comercialização do crédito e das receitas auferidas.

 

Para o setor de biocombustíveis, a insegurança jurídica é evidente ao identificar que o legislador almejou atribuir natureza ao CBIOs pelo Decreto nº 11.075/22[2], configurando sua existência jurídica como ativo financeiro, mas a definição foi revogada com a edição do Decreto nº 11.550/23[3], que, além de afastar o CBIOs como ativo financeiro, deixou de estabelecer qualquer diretriz sobre a sua natureza jurídica.  

 

Destaca-se que a definição da natureza jurídica do crédito de descarbonização tem relevância direta para as empresas produtoras e importadoras de biocombustíveis. Isso porque, caso esse crédito fosse caracterizado como ativo financeiro, a tributação incidente sobre suas receitas estaria sujeita à alíquota conjunta de 4,65% de PIS/COFINS, conforme dispõe o art. 1º do Decreto nº 8.426/2015, e não à alíquota geral de 9,25% prevista na legislação.

 

É nesse contexto que o Professor Heleno Torres[4] enfatiza que a segurança jurídica exige previsibilidade e certeza do ordenamento jurídico. Por um bom tempo, o contribuinte entendeu que a segurança jurídica estaria presente no texto da legislação, mas, por vezes, o legislador, em pontos de omissão, deixa de destrinchar como funcionará a relação jurídica tributária, gerando, portanto, litígios ambientais e tributários.

 

A situação é que a omissão do legislador tem gerado litigância ambiental e tributária entre o fisco e o contribuinte, com a finalidade de observar quais são os critérios tributação sobre a comercialização do crédito de carbono. Nessa entoada, os Tribunais Regionais e Tribunais Superiores passam a ter um papel fundamental na interpretação da norma e na preservação da segurança jurídica para os integrantes da relação jurídica.

 

No âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região[5] foi reconhecido que os rendimentos auferidos com a venda do crédito de descarbonização devem ser considerados como receitas financeiras, dado que “(...) em se tratando de crédito escriturado e negociado sob os ditames da Lei 13.576/2017, do Decreto 9.888/2019 e da Portaria MME n. 56/2022 e sob os auspícios da Resolução CVM 175, não há dúvida do caráter financeiro das receitas auferidas com a venda dos títulos representados pelos CBIOs”.

 

Apesar de a discussão ainda ser recente e envolver diversas questões pendentes de definição, o tema chegou indiretamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio do caso Usina Caeté S/A[6]. Em síntese, o processo em questão tem origem em mandado de segurança impetrado pela empresa com o objetivo de assegurar que as receitas decorrentes de comercialização de CBIOs sejam caracterizadas como receita financeira e sofram a incidências das contribuições do PIS/COFINS à alíquota de 4,65%.

 

Fato é que o juízo de origem extinguiu o feito sem resolução do mérito, entendendo que as alegações seriam genéricas e sem provas concretas sobre a suposta violação. Além disso, destacou que a questão de mérito exigiria análise complexa, com eventual prova contábil, para verificar se os CBIOs integram a base de cálculo do PIS/COFINS e qual alíquota é aplicável.

 

Posteriormente, o Colegiado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ao se debruçar sobre a matéria meramente processual, entendeu que a extinção do feito se mostrou prematura e que as informações prestadas seriam suficientes para verificar a ameaça a direito líquido e certo, viabilizando a utilização do mandado de segurança. Logo, haveria a necessidade de determinar o retorno dos autos à instância de origem para fins do regular processamento da ação.

 

A Fazenda Nacional interpôs Recurso Especial e o Contribuinte apresentou contrarrazões. Posteriormente, com o acórdão publicado do TRF3, em que considerou os CBIOs como ativo financeiro e reduziu a incidência de tributos sobre as receitas auferidas, a recorrida, Usina Caeté S/A, apresentou fato novo e relevante com o objetivo de afastar a alegação da Fazenda de que o Mandado de Segurança Preventivo na origem teria sido supostamente impetrado contra lei em tese.

 

O Ministro Relator, Marco Aurélio Bellizze, afirmou que o tribunal de origem, a partir da análise das circunstâncias específicas do caso, reconheceu que a parte recorrida demonstrou de forma adequada a ameaça a direito líquido e certo, legitimando o uso do mandado de segurança preventivo, uma vez que a controvérsia não se refere a uma mera discussão sobre a lei em tese ou necessidade de dilação probatória com a necessidade de realização de perícia técnica.

 

Embora a discussão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça ainda se encontre em fase meramente processual e a análise de mérito da matéria jurídica seja, por ora, prematura em grau de jurisdição superior, é possível perceber que o debate acerca da natureza jurídica dos Créditos de Descarbonização (CBIOs) e dos critérios de tributação aplicáveis à sua comercialização começa a ganhar espaço na agenda de julgamento do STJ.

 

Esse movimento revela uma tendência de judicialização das políticas ambientais e fiscais, especialmente quando os setores buscam alinhar seus modelos de negócio às metas de descarbonização, contribuir para as metas internacionais e esclarecer os pontos de omissão deixados pelo legislador.

 

Assim, há de se perceber que a inclusão do tema na pauta do Superior Tribunal de Justiça, ainda que em estágio inicial da discussão, evidencia a relevância da matéria, que ultrapassa o interesse setorial e alcança a consolidação de parâmetros jurídicos seguros para o mercado de créditos de carbono. Nesse contexto, o setor sucroenergético aguarda uma manifestação definitiva do Superior Tribunal que efetive a segurança jurídica na comercialização dos CBIOs, promovendo um mercado de carbono estável, competitivo e juridicamente previsível.



[1] BRASIL. Lei nº 13.576 /2017. Dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13576.htm. Acesso em: 03 nov. 2025.

[2] BRASIL. Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022. Estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa e altera o Decreto nº 11.003, de 21 de março de 2022. Acesso disponível em Base Legislação da Presidência da República - Decreto nº 11.075 de 19 de maio de 2022. Acesso em: 03 nov. 2025.

[3] BRASIL. Decreto nº 11.550, de 5 de junho de 2023. Dispõe sobre o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Acesso disponível em D11550. Acesso em 03 nov. 2025

[4] TORRES, Heleno. Segurança jurídica em matéria tributária. Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas, Porto Alegre, v. 10, n. 58, p. 28-49, set./out., 2016.

[5] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Cível nº 5028277-80.2022.4.03.6100. Relator: Des. Fed. Rubens Calixto. Acórdão de 18 out. 2024. Brasília: TRF3, 2024. Disponível em: PJe-TRF3. Acesso em: 03 nov. 2025.

[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2143060/AL. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Data da decisão: 26/08/2025. Disponível em: STJ - Consulta Processual. Acesso em: 03 nov. 2025.

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