DESCARBONIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL
- Mycaella Castro
- 18 de jun.
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Mycaella Castro
Bacharela em Direito pelo IDP. Integrante da Comissão de Assuntos Tributários, da Comissão de Inteligência Artificial e da Comissão de Direitos Autorais da OAB/DF. Advogada.
A descarbonização do agronegócio é um assunto que vem recebendo notoriedade no cenário nacional e internacional, não apenas por sua importância ambiental, mas também pelos desdobramentos jurídicos que envolve, especialmente no que diz respeito à responsabilidade ambiental, às práticas produtivas sustentáveis e à crescente valorização dos créditos de carbono como instrumento de incentivo à produção rural de baixo impacto.
Alinhado à Agenda 2030 das Nações Unidas, o agronegócio está relacionado aos diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como Fome Zero, Agricultura Sustentável, Consumo e Produção Responsáveis e Ação Contra a Mudança Global do Clima. A descarbonização se apresenta, portanto, como uma ferramenta essencial para viabilizar esses objetivos no campo[1].
No plano nacional, as projeções do agronegócio, elaboradas pelo Ministério da Agricultura e da Pecuária[2], referente ao período 2022/23 a 2032/33, demonstram que a produção de grãos brasileira deverá chegar a 390 milhões de toneladas nos próximos dez anos. Assim, considerando o protagonismo do Brasil na produção e comercialização de produtos agrícolas vemos que as metas de descarbonização, impulsionada por compromissos climáticos globais e pelas exigências dos mercados externos, tem exigido do campo brasileiro uma reconfiguração jurídica e produtiva.
Nesse contexto, os créditos de carbono surgem como instrumentos promissores para monetizar boas práticas ambientais, premiando produtores rurais por ações de preservação, reflorestamento ou uso eficiente do solo. Contudo, além dos instrumentos de boas práticas, é indispensável observar o papel do Direito do Agronegócio na estruturação segura desses mecanismos, de modo a garantir previsibilidade contratual, segurança jurídica e eficácia regulatória.
Falar em descarbonização no agronegócio é, na prática, discutir a redução e compensação das emissões de gases de efeito estufa em toda a cadeia produtiva rural[3].
Pensando nisso, foi realizada uma pesquisa[4] por um Grupo Cooperativo, juntamente com o Datafolha, com o objetivo de compreender a visão dos brasileiros acerca do papel do agronegócio em relação às mudanças climáticas e da descarbonização. Em um universo de 2 mil pessoas, a pesquisa revelou que enquanto 40% da população acredita que a responsabilidade pela redução é do governo, 32% acredita que seja uma tarefa coletiva da sociedade, já 22% atribui a responsabilidade às indústrias e somente 4% atribui a responsabilidade ao agronegócio. Contudo, a adoção de uma economia de baixo carbono requer ações que envolvem todos os setores sociais.
Isso porque, a economia de baixo carbono representa um modelo de crescimento econômico que alinha sustentabilidade às atividades industriais e agrícolas, fruto de acordos internacionais como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris. São esses compromissos que influenciam as normas técnicas, linhas de crédito, certificações agrícolas e, inclusive, a legislação brasileira ambiental.
É nesse sentido que a tutela jurídica do agronegócio no Brasil está relacionado à agricultura e à pecuária e condicionado aos princípios previstos em nossa Constituição Federal, bem como aos princípios gerais da atividade econômica[5]. Por conseguinte, também observa-se o Direito Ambiental Constitucional, nos termos do art. 225 da CF.
Nesse diapasão, o agronegócio também está sujeito à responsabilidade ambiental nos três níveis previstos no ordenamento jurídico brasileiro: administrativo, civil e penal. Tal fator demonstra, inicialmente, uma forma de concretização dos compromissos adotados pelo Brasil nas convenções internacionais, além de sua concepção como um bem transindividual e a observância do princípio do desenvolvimento sustentável.
Assim, entende-se que o agronegócio pode ser um agente ativo na descarbonização e regeneração ambiental, a partir do emprego de métodos produtivos sustentáveis, orientados pela ciência, inovação e compromisso com a conservação[6]. As técnicas agrícolas de baixa emissão de carbono como o manejo florestal, plantio direto, agricultura regenerativa, plantas de cobertura e agroflorestas são exemplos de métodos sustentáveis passíveis de geração de créditos de carbono.
O crédito de carbono, por sua vez, é um mecanismo criado e adotado pelo Protocolo de Kyoto durante a 3ª Conferência das Partes (COP3), da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em 1997, com o objetivo de reduzir as emissões dos Gases de Efeito Estufa (GEE). Com isso, surgem dois mercados de créditos de carbono: o mercado regulado e o mercado voluntário.
Enquanto o mercado regulado é fruto da COP3 e submetido aos parâmetros e metas da ONU, o mercado voluntário surgiu como resultado das Reduções Voluntárias de Emissões e não são utilizados para comprovar a redução das emissões de GEEs pelos países signatários de acordos internacionais. No mercado voluntário as empresas podem gerar ou comprar esses créditos de forma voluntária.
Por se tratar de uma forma de incentivar a redução dos GEEs na atmosfera, promovendo sustentabilidade e o desenvolvimento da economia de baixo carbono, a utilização desses créditos representam uma nova fonte de receita para os produtores no mercado voluntário. A partir disso, a produção não será focada somente em alta produtividade, como ocorrido desde os anos 70, mas também na preservação ambiental e climática.
Cumpre ressaltar que a estrutura jurídica desse mercado ainda é incipiente no Brasil, especialmente no que diz respeito às atividades do setor rural. Apesar da ausência de uma legislação federal específica, o país tem se posicionado de maneira favorável à regulação desse mercado tanto no cenário internacional, como demonstrado na COP26, quanto no doméstico com a sanção da Lei nº 15.042/2024.
Contudo, somente a agroindústria foi inserida entre os setores regulamentados pela lei. Isso porque ainda há desafios para a regulação de carbono na produção agrícola primária em relação à definição de critérios objetivos para medir e monitorar as emissões, ao risco à economia e à segurança alimentar. Além disso, um outro argumento apresentado para justificar a retirada é a não inclusão do agronegócio no mercado regulado dos países que também adotaram esse sistema.
Atualmente o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) encontra-se em fase de implementação, mas, certamente representa um marco significativo em termos de políticas climáticas no Brasil.
Diante desse cenário, observamos que o agronegócio brasileiro ocupa uma posição estratégica na construção de um modelo de desenvolvimento alinhado às metas climáticas globais. A adoção de práticas sustentáveis e de baixa emissão de carbono não apenas responde às exigências dos mercados internacionais, mas também se revela como uma oportunidade concreta de valorização da produção rural por meio de mecanismos como os créditos de carbono.
Contudo, para que esse potencial se concretize, é fundamental que os desafios sejam superados, de modo a oferecer instrumentos jurídicos claros e uma regulação eficaz, garantindo segurança às partes envolvidas, especialmente aos produtores rurais.
A descarbonização do agro não é apenas uma questão técnica ou ambiental, mas um desafio jurídico e institucional que exige articulação entre inovação, sustentabilidade e previsibilidade legal. Nesse contexto, fortalecer a governança do mercado de carbono, ampliar o debate sobre sua regulamentação no setor primário e assegurar a inclusão do campo na agenda climática brasileira são passos essenciais para que o Brasil consolide seu papel como líder na produção sustentável e na preservação ambiental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA GOV. Conheça mais detalhes das cinco fases de implementação do mercado de carbono no Brasil. 12 abr. 2024. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202412/conheca-mais-detalhes-das-cinco-fases-de-implementacao-do-mercado-de-carbono-no-brasil. Acesso em: 12 jun. 2025.
AGROSMART. Mercado de carbono e agronegócio: entenda como funciona essa relação. Disponível em: https://agrosmart.com.br/blog/mercado-de-carbono-e-agronegocio/. Acesso em: 12 jun. 2025.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO AGRONEGÓCIO. Descarbonização da agropecuária. Disponível em: https://www.abagrp.org.br/descarbonizacao-da-agropecuaria#:~:text=A%20chamada%20descarboniza%C3%A7%C3%A3o%20da%20agropecu%C3%A1ria,para%20a%20pesquisa%20cient%C3%ADfica%20nacional. .
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO AGRONEGÓCIO (ABAG). Descarbonização da agropecuária. Disponível em: https://www.abagrp.org.br/descarbonizacao-da-agropecuaria#:~:text=A%20chamada%20descarboniza%C3%A7%C3%A3o%20da%20agropecu%C3%A1ria,para%20a%20pesquisa%20cient%C3%ADfica%20nacional. Acesso em: 06 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024. Institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SBCE e dá outras providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2024/lei-15042-11-dezembro-2024-796690-publicacaooriginal-173745-pl.html. Acesso em: 06 jun. 2025.
BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Projeções do Agronegócio: Brasil 2022/23 a 2032/33 – Projeções de longo prazo. Brasília: MAPA, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/producao-de-graos-brasileira-devera-chegar-a-390-milhoes-de-toneladas-nos-proximos-dez-anos/ProjeesdoAgronegcio20232033.pdf. Acesso em: 06 jun. 2025.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Brasil liderou negociação para criação do mercado global de carbono. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/brasil-liderou-negociacao-para-criacao-do-mercado-global-de-carbono. Acesso em: 12 jun. 2025.
CLIMATE FIELDVIEW. O agro e o mercado de carbono regulado no Brasil. Disponível em: https://blog.climatefieldview.com.br/agro-mercado-carbono-regulado-brasil. Acesso em: 12 jun. 2025.
CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (CEBDS). 4 passos para uma economia de baixo carbono: guia para o setor empresarial. 2. ed. Brasília: CEBDS, 2018. Disponível em: https://cebds.org/wp-content/uploads/2023/06/CEBDS_4-passos_2018.pdf. Acesso em: 06 jun. 2025.
LOPES, Maurício Antônio. Descarbonização e circularidade : respostas dos sistemas alimentar e agroindustrial aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável / Maurício Antônio Lopes. – Brasília, DF : Embrapa Agroenergia, 2022. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1149409/1/DOC47-final.pdf Acesso em: 06 jun. 2025
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 02 maio. 2025
[1] LOPES, Maurício Antônio. Descarbonização e circularidade : respostas dos sistemas alimentar e agroindustrial aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável / Maurício Antônio Lopes. – Brasília, DF : Embrapa Agroenergia, 2022. Acesso em 02 maio. 2025.
[2] BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Projeções do Agronegócio: Brasil 2022/23 a 2032/33 – Projeções de longo prazo. Brasília: MAPA, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/producao-de-graos-brasileira-devera-chegar-a-390-milhoes-de-toneladas-nos-proximos-dez-anos/ProjeesdoAgronegcio20232033.pdf. Acesso em: 06 jun. 2025.
[3] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO AGRONEGÓCIO. Descarbonização da agropecuária. Disponível em: https://www.abagrp.org.br/descarbonizacao-da-agropecuaria#:~:text=A%20chamada%20descarboniza%C3%A7%C3%A3o%20da%20agropecu%C3%A1ria,para%20a%20pesquisa%20cient%C3%ADfica%20nacional. Acesso em: 06 jun. 2025.
[4] NOVACANA. Descarbonização no agronegócio: um esforço coletivo para construir um futuro mais verde. Disponível em: https://www.novacana.com/noticias/descarbonizacao-agronegocio-esforco-coletivo-construir-futuro-verde-050625. Acesso em: 07 jun. 2025.
[5] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro / Celso Antonio Pacheco Fiorillo. – 21. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
[6] CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (CEBDS). 4 passos para uma economia de baixo carbono: guia para o setor empresarial. 2. ed. Brasília: CEBDS, 2018. Disponível em: https://cebds.org/wp-content/uploads/2023/06/CEBDS_4-passos_2018.pdf. Acesso em: 06 jun. 2025.
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