APURAÇÃO DE HAVERES NA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE: CRITÉRIOS E ENTENDIMENTO DO STJ
- Maria Eduarda Morais
- 30 de out.
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Maria Eduarda Morais
Graduada em direito (UniCeub). Integrante da Comissão de Sucessões, Inventário e Gestão Patrimonial, e da Comissão de Planejamento Patrimonial e Sucessório na OAB/DF.
Sócia do escritório Marques e Morais.
A dissolução parcial de sociedades empresárias, especialmente as limitadas, frequentemente gera controvérsias quanto à apuração de haveres do sócio retirante.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se debruçado sobre o tema, consolidando critérios essenciais para a justa avaliação dos haveres, buscando equilibrar os interesses dos sócios, compensação equitativa ao ex-sócio e garantir a continuidade da empresa.
A apuração de haveres é etapa essencial da dissolução parcial, sendo o instrumento pelo qual se quantifica a participação do sócio retirante ou excluído.
Sobre essa tensão, Fábio Ulhoa Coelho[1], observa que “os interesses antagônicos – que convivem com os confluentes, nas relações entre empreendedores e investidores – manifestam-se nos momentos de repartição dos sucessos gerados pelo negócio comum. A apuração de haveres é um desses momentos.”
Em tais contextos, surgem divergências quanto ao critério de avaliação a ser adotado. Enquanto o sócio retirante busca maximizar o valor de suas quotas, os remanescentes prezam pela preservação do capital e da liquidez empresarial, evitando projeções futuras.
Não raramente, a principal controvérsia recai sobre a metodologia de cálculo a ser adotada. Há debate sobre se a apuração de haveres deve se limitar aos valores contábeis constantes do balanço patrimonial ou se é admissível utilizar critérios que considerem projeções econômicas, como o fluxo de caixa descontado.
A escolha da metodologia impacta diretamente o montante a ser pago ao sócio retirante, podendo aumentar ou reduzir significativamente o valor de suas quotas.
O STJ tem contribuído para pacificar o tema. No Recurso Especial n. 1.904.252/RS[2], com relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, firmou-se o entendimento de que a apuração de haveres deve seguir as regras do contrato social, respeitando a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos (art. 1.031 do Código Civil).
Na ausência de previsão contratual específica, aplica-se a regra geral segundo a qual o sócio retirante não pode receber valor distinto daquele que lhe caberia em uma dissolução total da sociedade, considerando o momento da efetiva liquidação do patrimônio social. Nesse caso, utiliza-se o critério patrimonial, verificando o valor real dos ativos da sociedade para refletir adequadamente seu patrimônio.
O STJ também concluiu que o método do fluxo de caixa descontado é inadequado para a apuração de haveres, pois considera lucros futuros resultantes do trabalho dos sócios que permanecem na empresa, e não o patrimônio existente quando o sócio se desliga.
Além disso, projeções baseadas em expectativas futuras, sensíveis a fatores macro e microeconômicos e à conjuntura do mercado, podem gerar distorções e desigualdades na fixação do valor devido ao sócio retirante.
Conforme o entendimento jurisprudencial da Corte Superior, o uso do fluxo de caixa descontado gera uma apuração dissociada da realidade patrimonial efetiva da sociedade. Afasta-se, assim, do objetivo essencial do procedimento: refletir, com equilíbrio e precisão, o valor justo das quotas no momento da resolução parcial da sociedade.
Isso porque pode produzir consequências indesejáveis, tais como: (i) desestímulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade da empresa; e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado, em detrimento daqueles que permanecem na sociedade.
A legislação brasileira também define parâmetros objetivos. O art. 604 do Código de Processo Civil estabelece que, na falta de acordo, o juiz deve fixar a data da resolução, o critério de apuração e nomear perito para elaboração do balanço de determinação. Já o art. 606 prevê que, sendo omisso o contrato, o valor patrimonial deve ser apurado com base nesse balanço, considerando ativos e passivos atualizados.
Ainda assim, o julgador pode, à luz da boa-fé objetiva e da função social do contrato, admitir certa flexibilidade, adotando métodos complementares quando justificados por prova técnica consistente e pela realidade da empresa.
Ao conjugar legislação e jurisprudência, observa-se que o sistema jurídico brasileiro privilegia a autonomia da vontade, assegura critérios objetivos e rejeita expectativas de lucro futuro.
Dessa forma, a orientação do STJ é clara: na apuração de haveres, prevalece o critério patrimonial, com base no contrato social e, na sua ausência, na apuração dos valores existentes à época da saída do sócio, sem considerar lucros projetados. A segurança jurídica é, portanto, o valor que norteia o posicionamento da Corte.
Em sociedades cujo valor está majoritariamente vinculado à capacidade de geração futura de caixa, como startups ou empresas de tecnologia, o critério exclusivamente patrimonial pode conduzir a uma avaliação artificialmente reduzida do valor das quotas.
Ainda assim, o STJ tem privilegiado a segurança jurídica e a força do contrato social, mesmo diante de modelos empresariais mais dinâmicos, evitando metodologias que dependam de projeções incertas ou subjetivas.
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 159.
[2] RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. ART. 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. DIREITO EMPRESARIAL.
DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. ART. 1.031 DO CÓDIGO CIVIL. PROJEÇÃO DE LUCROS FUTUROS. FLUXO DE CAIXA DESCONTADO.
NÃO CABIMENTO. LUCROS NÃO DISTRIBUÍDOS AO SÓCIO RETIRANTE. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. ART. 206, § 3º, VI, DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE E NÃO PROVIDO.
1. Discussão a respeito dos critérios para apuração de haveres, quais os valores estariam abrangidos e prazo prescricional para distribuição de lucros não distribuídos ao sócio retirante.
2. Não incorre em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pela parte, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, apenas não acatando a tese defendida pela recorrente.
3. A apuração de haveres - levantamento dos valores referentes à participação do sócio que se retira ou que é excluído da sociedade - se processa da forma prevista no contrato social, uma vez que, nessa seara, prevalece o princípio da força obrigatória dos contratos, cujo fundamento é a autonomia da vontade. Inteligência do art. 1.031 do Código Civil. Precedentes.
4. Omisso o contrato social, observa-se a regra geral segundo a qual o sócio não pode, na dissolução parcial da sociedade, receber valor diverso do que receberia, como partilha, na dissolução total, verificada tão somente naquele momento.
5. O fluxo de caixa descontado - método para avaliar a riqueza econômica de uma empresa dimensionada pelos lucros a serem agregados no futuro - não é adequado para o contexto da apuração de haveres.
5. O prazo de prescrição trienal é aplicável em relação à relação jurídica que envolva direito societário, em demanda relacionada à distribuição de lucros (art. 206, § 3º, VI, do CC/02).
6. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa extensão, não provido.
(REsp n. 1.904.252/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 1/9/2023.)

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