A APLICAÇÃO DO ART. 27 DA LEI 9.868/1999 E O QUÓRUM DE MODULAÇÃO EM CASOS DE IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DE MINISTROS DO STF
- Marília Fregonesi
- 5 de mai.
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Marilia Fregonesi Rodrigues
Mestranda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB). Especialista em Processo nas Cortes Superiores pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. Procuradora do Estado do Tocantins. Advogada sócia do Dutra, Meneses, Moura, Muniz e Fregonesi Advogados.
A Lei nº 9.868/1999, que disciplina o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, prevê em seu artigo 27 a possibilidade da Corte, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou modulá-los por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social.
Conforme se extrai da norma, a modulação de efeitos tem por objeto a tutela da segurança jurídica, evitando que a desconstituição retroativa dos efeitos da lei declarada inconstitucional provoque abalos à sociedade e/ou à ordem pública. A competência da Suprema Corte para decidir acerca de tal modulação decorre do poder “de ponderar, no controle de constitucionalidade, seja ele abstrato ou incidental, se deve prevalecer a primazia da norma constitucional tida por violada ou a segurança jurídica, e a partir desse raciocínio definir os efeitos temporais da decisão”[1].
O fato é que, em diversas situações, a simples retirada da norma do ordenamento jurídico não solucionaria a inconstitucionalidade identificada, podendo, ao contrário, acarretar consequências ainda mais gravemente incompatíveis com a Lei Maior. Daí a importância da ponderação atribuída ao STF.
Convém salientar, contudo, a necessidade de observância do quórum qualificado para a modulação, exigindo a lei o voto favorável de dois terços dos membros da Corte, o que corresponde a oito ministros. Na prática, a redação legal levanta uma relevante questão: como calcular o quórum qualificado quando, no julgamento da ação concentrada, há impedimento ou suspeição de ministro? Deverá, para aferição do quórum, ser considerado o número total de onze julgadores ou apenas aqueles efetivamente votantes?
No presente artigo, defende-se que, nas hipóteses de suspeição ou impedimento, o quórum de dois terços deva ser calculado em relação ao número de ministros aptos a votar, e não em relação à composição completa da Corte Suprema.
O entendimento contrário conduz a resultados prejudiciais à própria efetividade da jurisdição constitucional, uma vez que, a cada impedimento ou suspeição, tornar-se mais dificultoso e praticamente inviável atingir o número necessário de ministros definidos pela lei, comprometendo a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão em situações sensíveis e que exigiriam a adoção da aludida técnica.
Como observa Daniel Sarmento[2], ao defender uma leitura finalística das normas de modulação, o quórum qualificado deve ser compreendido de maneira compatível com a efetividade das decisões e com o princípio da segurança jurídica, sobretudo quando a rigidez formal inviabiliza o uso da técnica de modulação.
Nesse sentido, como reforço doutrinário, Lênio Streck também critica o formalismo excessivo e destaca que “a modulação é um instrumento de concretização do direito e da segurança jurídica, não devendo ser engessada por critérios numéricos descolados da realidade jurisdicional[3]”.
Imaginemos a hipótese em que a parte pleiteia a modulação dos efeitos em situação de controle concentrado na Suprema Corte e 4 (quatro) ministros se declarem suspeitos ou impedidos. Ainda que os 7 (sete) ministros restantes votem de maneira favorável à modulação e o caso atenda aos requisitos de excepcionalidade de salvaguarda da segurança jurídica e do interesse social, o pedido de modulação restaria inviabilizado desde o início.
Recentemente, no julgamento dos embargos de declaração na ADI 6365/TO[4], o Plenário do STF enfrentou a questão da aplicação do art. 27 da Lei 9.868/1999 em situação de impedimento e suspeição. No caso, o Ministro Edson Fachin declarou-se suspeito, e apenas 10 (dez ministros) participaram do julgamento. Embora a maioria deles (seis) tenha votado favorável à modulação dos efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade de dispositivos de lei estadual questionados na ação, não foram modulados os efeitos, por ausência de alcance do quórum qualificado exigido pela lei.
O Colegiado aplicou a expressa literalidade da norma que define a técnica da modulação, e, a despeito de terem sido rejeitados os declaratórios opostos pelo Governador do Tocantins, os Ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, André Mendonça, Gilmar Mendes e Cristiano Zanin fizeram expressa ressalva à fundamentação do Relator, Ministro Luiz Fux, para destacar a necessidade de reflexão futura sobre a contagem do quórum qualificado nesses casos, evidenciando a importância e atualidade da temática aqui abordada.
Ao proferir voto vogal, o eminente Ministro Luís Roberto Barroso justificou a necessidade de reflexão sobre o tema pela Corte ao pontuar que “se houver dois ou mais julgadores impossibilitados de votar e se exigirem oito votos pela modulação, a restrição da eficácia temporal da decisão poderia se tornar excessivamente difícil ou mesmo matematicamente impossível de ser atingida.”.
Com efeito, a suspeição e o impedimento têm previsão nos artigos 144 e 145 do Código de Processo Civil, e são institutos destinados a garantir a imparcialidade e equidade do julgamento. Contudo, sua aplicação não pode ser objeto de prejuízo às partes. Ao se declarar suspeito ou impedido, o ministro não participa da votação. Desse modo, há um descompasso, porquanto diminui-se o número de votantes, mas não diminui o número de votos a ser atingido.
A exigência de oito votos favoráveis à modulação acaba, efetivamente, por aumentar o quórum previsto em lei nos casos em que algum ministro se declare suspeito ou impedido, já que reduz o número de votantes.
Ademais, a postura configura um contrassenso à própria presunção de constitucionalidade das normas, ao exigir um quórum mais rigoroso para manter a constitucionalidade do ato normativo ou mitigar os efeitos de sua inconstitucionalidade. Na prática, favorece-se a prevalência da incompatibilidade da lei com a Constituição, em detrimento da estabilidade e da segurança jurídica que a modulação busca assegurar.
Dessa forma, aplicar o quórum com base nos ministros votantes é medida que prestigia o princípio da razoabilidade, evita a perpetuação de situações de insegurança jurídica e concretiza a função do art. 27 da Lei nº 9.868/1999.
Ainda que se estipule o quórum necessário para a modulação, é inequívoco que o Supremo Tribunal Federal, como guardião e intérprete maior da Constituição Federal, pode conferir interpretação que melhor atenda à situação concreta posta a exame, bem como aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
É importante lembrar que o objetivo da modulação é proteger a estabilidade das relações jurídicas e o interesse social, não criar embaraços formais ao exercício da jurisdição constitucional.
Assim, conclui-se que o cálculo do quórum para modulação dos efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionalidade deve considerar apenas os ministros não impedidos ou suspeitos, em respeito à finalidade última do art. 27 e à própria eficácia da justiça constitucional.
[1] BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Embargos de declaração como meio processual adequado a suscitar a modulação dos efeitos temporais do controle de constitucionalidade. In: Revista de Processo, vol. 198, agosto/2011. RT: São Paulo. p. 389.
[2] SARMENTO, Daniel. A modulação temporal dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária. Revista de Direito Tributário Atual, n. 46, 2020, p. 143-168.
[3] STRECK, Lenio. Jurisdição constitucional e modulação de efeitos: entre o ser e o dever ser. Revista de Direito Constitucional Contemporâneo, 2019.
[4] STF, ADI 6365 ED-segundos-ED/TO, Plenário, Min. Relator Luiz Fux, julgamento virtual de 7 a 14/2/2025, DJE de 9/4/2025, publicado em 10/4/2025.
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